Raça X Nacionalidade
Argentina

Raça X Nacionalidade



Esse ano, as equipes de Cruzeiro e Grêmio se enfrentaram pela semifinal da Libertadores. O jogador Elicarlos do Cruzeiro acusou o gremista Máxi López (argentino) de racismo. Segundo Elicarlos, López o teria chamado de "macaco". Ao final da partida, foi prestar queixa na delegacia e Maxi López lá foi encaminahdo, também. No dia seguinte, nos veículos de comunicação houve lembranças da libertadores de 2005, quando o jogador argentino Desábato ofendeu o atacante Grafite, do São Paulo, e foi inclusive detido naquela noite, por racismo.

Uma semana depois, houve a final da Copa do Brasil, entre Corinthians e Internacional. O jogador argentino D'Alessandro é expulso, e antes de sair de campo acaba partindo pra cima do zagueiro William, do Corinthians. D'Alessandro não revelou exatamente o que William disse, mas afirmou: "sou estrangeiro, acho que com isso já estou falando tudo".

Na imprensa, não foi dito nada sério sobre o caso (o jornal Lance!, de 02/07, afirmou que "D'Alessandro deve ter sido 'xingado' de argentino" - sic), além da menção à briga em si. O jornalista Luís Carlos Quartarollo afirmou que William deve ter falado algo "como 'Argentino de merda'?. Mas, segundo ele, "isso não seria motivo para provocar uma briga".

Cito o caso da imprensa relembrando Desábato para mostrar que, mais uma vez, a associação dos termos "racista" e "argentino" é muito permanente. Mas o Desábato não cometeu um ato que pode ser qualificado como racismo? sim, cometeu. É inegável, inclusive a televisão flagrou o momento em que ele falava - ao contrário de Máxi López. E no caso de D'Alessandro, embora a TV mostre William de costas e não se possa comprovar nada, é estranho ver como um ataque xenófobo é tido como "normal" se comparado a um racial.

Mas a questão é: por que lembrar somente desse caso? Quem não se lembra do jogador Antônio Carlos (ex-Palmeiras, Corinthians, Santos) quando jogava no Juventude, em 2006, apontava para o braço falando do jogador Jeovânio, do Grêmio, um negro?

É, ninguém lembra. E pra "defender" Antônio Carlos, tivemos ninguém menos que Wanderley Luxemburgo, dizendo que tudo isso --ofensas associativas à cor da pele-- é "normal" dentro de campo. Além disso, ele próprio afirmou que usa de tais termos: "chamo os meus jogadores [negros] de picolé de asfalto", disse.

Mas o caso que mais me chamou atenção, pós Desabato/A.Carlos/Máxi Lopes/William, foi quando o jogador Ramires (negro), do Cruzeiro, quando a equipe miniera iria a La Plata enfrentar o Estudiantes pela primeira partida da final da Libertadores.

Ramires deu uma declaração pouco ou nada comentada, mas que denota perfeitamente o objetivo dese post: "A gente já esperava esse tipo de coisa por parte da torcida do Grêmio. Na Argentina, com certeza será igualzinho". Em seguida, Ramires complementa: "Tomara que os argentinos cometam racismo de novo. Eles que se cuidem porque o segundo jogo é na nossa casa"

Trata-se de uma frase bastante polêmica, por vários motivos:

1) Ramires cai numa sutil contradição ao afirmar que os argentinos "COM CERTEZA..." e depois torcer para que eles sejam racistas de fato ("Tomara que...");

2) Ramires, mediante essa sua "torcida", faz uma ameaça aos jogadores estrangeiros, mandando que eles se cuidem, pois estarão no Brasil, da próxima vez. Do que Ramires falava? "Eles que se cuidem pois jogaremos melhor"?

3) Mais importante: como visto, essa declaração foi dada ANTES DA PARTIDA. Não é uma incitação ao ódio? O jogador nada espera, ele já antecipa que haverá racismo. Assim, uma disputa de bola torna-se racismo, pronto e acabou.

É necessário que haja uma reflexão sobre xenofobia e racismo, no Brasil. Enquanto a associação "racista" for sempre delegada a estrangeiros (argentinos, nesse caso) e forem esquecidos os casos aind mais graves que acontecem no próprio Brasil justamente por brasileiros, nada vai mudar. E que se ponha a mão na consciência e se pense se há mesmo alguma diferença em associar qualidades negativas à cor de pele e à nacionalidade.

Com a palavra, Chico Buarque.




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