Argentina
Isso é Jornalismo? (10)
Não falaremos aqui de erros de arbitragem que tenham favorecido esta ou aquela seleção. São inúmeros os casos de "equívocos" de juízes/bandeirinhas que influenciaram decisivamente nas partidas.
Se o Brasil foi prejudicado quando, em 1982, Zico teve sua camisa rasgada dentro da área pelo zagueiro italiano e o juiz não marcou o pênalti, a Argentina também foi punida erroneamente na copa de 1990 quando o árbitro marcou uma penalidade, inexistente, em favor da Alemanha na final. Se o Brasil teve um árbitro que encerrou a partida no momento em que a seleção cobrava o escanteio (e Zico marcaria o gol) na partida contra a Suécia pela copa de 1978, a Argentina teve um jogador expulso na copa de 1966 porque falou em espanhol com o juiz (!) - e isso consta na súmula, mesmo depois de Rattin ter solicitado um intérprete.
O inverso também é verdade: se sobre a Argentina caem suspeitas de que os jogadores peruanos tenham "entregado" a partida no quadrangular da copa de 1978, também há denúncias idênticas sobre a vitória do Brasil sobre Gana na copa de 2006, em jogo que terminou 3 a 0, e sobre a copa de 1962, quando membros do conselho de arbitragem teriam sido subornados a fim de que Garrincha, expulso na semifinal, jogasse a final. Se no jogo entre a Argentina e a URSS em 1990 a seleção soviética faria o gol não fosse uma bola parada com a mão pela defesa argentina, há também a anulação de um gol legítimo da Espanha em jogo contra o Brasil na copa de 1986.
Mas o nosso objetivo aqui é outro: esqueça dos erros (ou más intenções) de juízes; não é esse o foco. Vamos falar de momentos em que jogadores brasileiros e argentinos agiram de "má fé" para se beneficiar ou mesmo para prejudicar outrem (o que no fundo é a mesma coisa). A ideia, mostrando os casos a seguir, não é demonizar os jogadores do Brasil tampouco absolver o argentino: na verdade, estão todos no mesmo nível. O problema é a interpretação de cada uma dessas cenas...
Cena 1
Copa: 1962 (segundo título brasileiro)
Partida: Brasil X Espanha
Contexto: última partida da 1ª fase (quem vencesse estava classificado)
Personagem: Nilton Santos
O Brasil perdia a partida por 1 a 0. O lateral-esquerdo brasileiro faz falta no jogador espanhol dentro da área. Logo, seria pênalti. Porém o árbitro, um pouco distante, não consegue determinar onde acontecera o incidente. Antes de chegar ao local, Santos dá dois passos para a frente, ficando pouco adiante da linha da grande área. O juíz dá falta fora da área. O repórter diz, num tom de felicidade, que Nilton Santos foi "esperto".
Cena 2
Copa: 1970 (terceiro título brasileiro)
Partida: Brasil X Uruguai
Contexto: semifinal (fase eliminatória)
Personagem: Pelé
A partida estava 0 a 0. Pelé pega a bola pela esquerda e, na corrida, vê um adversário se aproximar. À medida que o jogador chega perto, Pelé diminui o ritmo e quando o vê praticamente colado, solta uma cotovelada que atinge em cheio o rosto do uruguaio. O juiz marca falta DO uruguaio, e ainda por cima pune-o com um cartão amarelo. No vídeo podemos ver gente do mais alto gabarito elogiando a atitude de Pelé ("Coisa linda" ou "não é aquele negócio de 'dar', tem que saber fazer") e rindo do "erro" do árbitro.
Cena 3
Copa: 1986 (segundo título argentino)
Partida: Argentina X Inglaterra
Contexto: Quartas-de-final (fase eliminatória)
A partida estava 0 a 0. Maradona faz excelente jogada pelo meio de campo, se livrando de vários zagueiros, e toca para um companheiro. Ao dominar, o companheiro de time de Maradona deixa a bola escapar, ao que o zaguiero inglês "corta", jogando a bola para o meio da área. Então, Maradona, sozinho com o goleiro, sobe e, com a mão, marca o primeiro gol argentino. É possível ouvir o narrador dizendo claramente que "o gol foi com a mão", e depois falando: "foi contra ingleses, o que mais posso dizer?".
Cena 4
Copa: 2002 (quinto título brasileiro)
Partida: Brasil X Turquia
Contexto: jogo de abertura da copa (sem influência na classificação)
Personagem: Rivaldo
A partida estava 2 a 1 para o Brasil, após obter vantagem no placar com um gol nascido de um pênalti irregular. A 5 minutos do fim, escanteio para o Brasil. Rivaldo aguarda a chegada da bola, ao que um jogador adversário a chuta e acerta a parte inferior do joelho do brasileiro. Rivaldo joga-se no chão, com as mãos no rosto, simulando estar machucado. A capa da "Placar" na semana do jogo dizia: "Roubado é mais gostoso".
(de todas as "cenas" mostradas acima, apenas Rivaldo foi punido posteriormente, com multa imposta pela FIFA)
Novamente, frisamos que a intenção não é dizer que este ou aquele foi "menos pior". Isso não existe. Todos foram infratores, e se beneficiaram de métodos ilegais. O problema está no enfoque e na dimensão que se deu/dá a cada um dos casos: enquanto os lances de Nilton Santos, Pelé e Rivaldo são lembrados sempre de um modo positivo, celebrando o "jeitinho brasileiro", o gol de Maradona é reprisado em TODOS os programas esportivos para fazer referência a "erros de arbitragem" ou a jogadores que infringiram regras.
Exemplo recente foi o caso do grande jogador francês Thierry Henry, que dominou uma bola com a mão na partida entre Irlanda e França, na repescagem das eliminatórias europeias: com isso, a França chegou ao gol que lhe deu a classificação para a Copa de 2010. Reportagens aqui no Brasil diziam "Henry segue os passos de Maradona", conforme publicou o Globo Esporte.
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Hipocrisia mode "ON" |
Além dos exemplos citados acima, basta que lembremos do post "Isso é Jornalismo? (4)", onde mostramos um vídeo da Rede Globo (sempre ela!) sobre o confronto Argentina e Brasil válido pela Copa América de 1995: de modo mais acintoso e clamoroso do que o gol de Maradona, Tulio domina a bola com o braço e faz o gol, levando a decisão para os pênaltis, classificando o Brasil. O repórter diz: "Maravilha de braço" para descrever o gol do jogador brasileiro.
No caso dos argentinos, é defeito de caráter; no dos brasileiros, tudo vale e é correto.
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